DOM ODILO: TEMPO DE MÁRTIRES DA FÉ
De alguns anos para
cá, tornaram-se sempre mais frequentes as notícias sobre violências praticadas
contra cristãos em várias partes do mundo. Ataques contra igrejas cristãs, com
numerosos mortos, aconteceram na Nigéria, no Egito e em outras partes da
África; no Paquistão, na Índia e na Síria; mais recentemente, no Iraque, por
conta dos jihadistas do pretendido “Estado Islâmico no Iraque e no Levante”
(ISIL), estão acontecendo torturas, crucificações e decapitações em quantidade.
Embora não sejam as
únicas minorias religiosas perseguidas e vítimas de todo tipo de violência
nesses países, os cristãos são hoje o grupo religioso que mais perseguição e
martírio sofre no mundo. À exceção da Índia, onde cristãos e outros grupos
religiosos minoritários sofrem a discriminação e perseguição dos hinduístas,
nos demais países que registram esse desrespeito ao direito de crer conforme a
consciência vem de grupos extremistas islâmicos.
Recentemente, as
atenções do mundo voltaram-se, sobretudo, para o conflito entre Israel e os
Palestinos da Faixa de Gaza; enquanto isso, porém, um verdadeiro genocídio
contra cristãos e outros grupos religiosos vem sendo perpetrado no Iraque. Onde
os combatentes do pretendido “Estado Islâmico no Iraque e no Oriente” tomam
conta, eles também impõem uma única forma de religião a todos: a corrente
islâmica sunita.
Mossul, a segunda
maior ciadade do Iraque, tinha muitos habitantes cristãos. Há cerca de um mês,
ela foi tomada pelos jihadistas do ISIL, que marcaram com a inicial N, de
“Nazareno”, as casas dos cristãos: estes foram postos diante de uma escolha
entre quatro alternativas: a) deixar o Iraque em 24 horas; b) converter-se ao
Islamismo à força; c) pagar um tributo especial, por não serem muçulmanos,
ficando reduzidos a cidadãos discriminados e explorados; d) morrer pela espada.
Muitíssimos cristãos foram mortos e são mártires; mais de meio milhão já
fugiram do Iraque, em busca de lugar mais seguro e livre para praticar sua fé.
No tempo de Saddam
Hussein, havia no Iraque bem mais de um milhão de católicos; tinham direitos de
cidadãos e liberdade para praticarem sua fé, assim como outras minorias
religiosas. Geralmente, eram do rito caldeu. Quando iniciou a guerra contra o
Iraque, para derrubar Saddam, conheci um bispo do Iraque, refugiado no Colégio
Pio Brasileiro, em Roma, que previu o que hoje está acontecendo: serão os
cristãos que vão pagar a conta dessa guerra… Atualmente, continuam no País
apenas dez por cento dos católicos que lá viviam há cerca de 20 anos. Com a
atual perseguição e martírio, quantos ainda restarão?
O Papa Francisco
não tem deixado de levantar a voz em defesa dos perseguidos e martirizados, e
isso parece ter, finalmente, despertado alguma ação em defesa dos perseguidos;
no dia 18 de agosto, o Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso, da
Santa Sé, divulgou uma mensagem condenando as barbáries cometidas pelo ISIL
contra cristãos e outras minorias religiosas no Iraque.
Pouco se tem
divulgado na opinião pública essa violência contra os cristãos e outras
minorias religiosas. O jornal O Estado de São Paulo tem trazido algumas
reportagens sobre o atual martírio dos cristãos no Iraque (cf ed. de 24 de
julho de 2014, p. A11; e ed. de 17 de agosto, p. A21). Porém, a escassez de
notícias sobre a violência perpetrada contra cristãos é intrigante! Igualmente
estranha é a pouca importância dada a fatos tão tristes pelos governos e os
líderes das nações.
Apesar do
reconhecimento da liberdade religiosa como um direito humano fundamental, a
violência aberta e brutal contra grupos religiosos parece coisa sem importância
nas preocupações dos senhores do mundo… Mas sem ver essa liberdade
profundamente respeitada e valorizada, não haverá paz entre os povos.
Artigo
publicado no Jornal O São Paulo,
Edição
3015 – 20 a 26 de agosto de 2014
Cardeal
Odilo Pedro Scherer
Arcebispo
de São Paulo
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