A CEIA DO SENHOR -Quinta-feira Santa


A celebração do mistério pascal, centro e vértice da história da Salvação, abre-se com a Missa vespertina da quinta-feira santa, que comemora a Ceia do Senhor.
As leituras incidem todas sobre o tema da Ceia pascal. Recorda o trecho do Êxodo (12, 1-8; 11-14) a instituição da Páscoa antiga, quando ordenou Deus aos hebreus imolarem em cada família “um cordeiro perfeito”, tingirem com seu sangue as portas das casas para que fossem poupadas do extermínio dos primogênitos e, em seguida, come-lo as pressas, como quem vai viajar. Naquela mesma noite, preservados pelo sangue do cordeiro e nutridos com sua carne, deveriam iniciar a marcha para a terra prometida. Teriam, depois, de repetir o rito cada ano, em memória do fato. “É a Páscoa em honra do Senhor”(Ex12,11), que comemora sua “passagem” entre os israelitas para libertá-los da escravidão do Egito.
Escolhe Jesus a celebração da Páscoa hebraica para instituir a nova, a sua Páscoa, em que ele é o verdadeiro “Cordeiro perfeito” imolado e consumido pela salvação do mundo. Ao sentar-se à mesa com os seus, inicia o novo rito. “De fato, o Senhor Jesus, na noite em que foi traído – lê-se na segunda leitura (1Cor 11, 23-26)- tomou o pão e, depois de ter dado graças, partiu-o e disse: ‘Istoé o meu corpo, que é entregue por vós...’ Do mesmo modo, tomou o cálice, dizendo: ‘ Este cálice é a nova Aliança no meu sangue’.” Aquele pão milagrosamente transformado no Corpo de Cristo e aquele cálice que já não contém vinho mas Sangue de Cristo, ambos oferecidos, mas separadamente, eram naquela noite o anúncio e a antecipação da morte do Senhor, na qual ele iria derramar todo o Sangue; e são, hoje, seu memorial vivo. “Fazei isto em memória de mim.” Nesta luz apresenta São Paulo a Eucaristia, quando diz: “Todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciareis a morte do Senhor”.
É a Eucaristia “Pão vivo” que dá aos homens a vida eterna (Jô 6,51), é o “memorial” da morte de Cristo, é seu Corpo “dado” em sacrifício, é seu Sangue “derramado... em remissão dos pecados” (Lc 22,19; Mt 26,28). Nutridos com o Corpo de Cristo, aspergidos e lavados com seu sangue, podem os homens suportar as asperezas da viagem terrena, passar da escravidão do pecado à liberdade dos filhos de Deus, da penosa travessia do deserto à terra prometida, a casa do Pai.
“Tomai, e comei deles todos: isto é meu Corpo... tomai e bebei todos: este é o cálice do meu sangue”. Caso tivesse o costume diminuído dos fiéis a vivência da fé, convida-os a Liturgia de hoje a sacudirem o torpor, a penetrarem com olhar mais profundo e amoroso a inefável realidade do mistério que se cumpriu, pela primeira vez, no cenáculo, sob os olhares atônitos dos discípulos e que hoje se prolonga no altar. É sempre o Senhor Jesus que, na pessoa de seu ministro, realiza o gesto consecratório e que hoje, aniversário da instituição da Eucaristia e vigília da morte do Senhor, adquire atualidade impressionante.
“Tendo (Jesus) amado os seus... amou-os até o fim”, diz João ao começar a narração da última Ceia (3ª leitura: Jô 13, 1-15); “na noite em que ia ser entregue”, observa Paulo, ao narrar a instituição da Eucaristia. Tremendo contraste: da parte de Cristo, amor infinito, “até o fim”, “até a morte”; da parte dos homens, traição, negação, abandono. É a Eucaristia a resposta do Senhor à traição das suas criaturas. Parece ansioso por salvar os homens assim tão fracos e antecipa misticamente sua morte, oferecendo-lhes em alimento aquele Corpo que em breve sacrificará na cruz e aquele Sangue que derramará até a última gota. Se, dentro de poucas horas, deste mundo o arrebatará a morte, a Eucaristia perpetuará aqui sua presença real e viva até o fim dos séculos.
Mas, com o sacramento do amor, deixa Jesus à Igreja também o testamento do amor: o seu “novo mandamento”. Imediatamente vêem os Doze ajoelhar-se o Mestre diante deles em atitude de servo; “derrama água numa bacia, e começa a lavar os pés dos discípulos”. Conclui-se a cena com a admoestação: “Se portanto eu, Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros”. Não se trata tanto imitar o gesto material, quanto a atitude de humildade sincera nas relações recíprocas, considerando-se e comportando-se uns como servos dos outros. Só esta humildade torna possível o cumprimento do preceito que Jesus está para dar: “Dou-vos um mandamento novo, que vos amei uns aos outros como eu vos amei” (ibdem, 34). O Lava-pés, a instituição da Eucaristia, a morte de cruz indicam como e até que ponto havemos de amar os irmãos, para cumprir o preceito do Senhor.

Ó Bom Jesus, para exercitar-nos ao amor, tomastes a resolução de permanecer sempre conosco ... Entretanto, prevíeis, desde então, a sorte que teríeis encontrado entre os homens, as desonras e afrontas que havíeis de padecer. Ó Eterno Pai, como chegastes a permitir que vosso Filho permanecesse sempre entre nós, para sofrer cada dia todos os tipos de tormentos? Oh! Valha-me Deus! Que excesso de amor o do Filho e que excesso de amor o do Pai! Ó Eterno Pai, porque quisestes que vosso Filho fosse um dia entregue a gente tão perversa como nós? Como pode vossa piedade permitir que seja exposto cada dia a tantos desacatos? Por que razão há de ser todo o nosso bem à sua custa? Não há de haver quem fale em defesa deste mansíssimo Cordeiro?
Ó Pai santo que estais nos céus... se vosso Filho nada omitiu para dar a nós, pobres pecadores, dom tão grande como o da SS. Eucaristia, não permitais, ó misericordioso Senhor, que ele seja assim tão maltratado! Ele se deixou a nós de modo tão admirável que podemos oferecê-lo em sacrifício quantas vezes quisermos. Pois bem, valha-nos tão precioso dom, para que se detenha finalmente a multidão dos pecados e das irreverências que se contem em todos os lugares onde está este SS. Sacramento.

cf. Santa Teresa de Jesus, Caminho 33, 2-4; 35, 3.

Louvores vos sejam dados, Pai santo, por Cristo nosso Senhor. Ele, Sacerdote verdadeiro e eterno, instituiu o rito do sacrifício perene; a vós por primeiro se ofereceu, vítima de salvação, e ordenou-nos efetuar a oblação em sua memória. Comendo sua carne por nós imolada, somos fortificados e bebendo seu sangue derramado por nós, somos purificados. Concedei-nos, ó Pai, que deste grande mistério alcancemos a plenitude da caridade da vida.
cf. Missal Romano, Prefácio e Coleta

Jesus, vinde, tenho os pés imundo. Fazei-vos servo meu. Derramai água na bacia; vinde, lavai-me os pés. Bem o sei, temerário é o que vos digo, mas temo a ameaça de vossas palavras: “Se não te lavar os pés, não terás parte comigo”. Lavai-me, portanto, os pés para que tenha parte convosco. Mas, que digo, lavai-me os pés? Pode dizê-lo Pedro que necessitava de lavar só os pés, porque estava todo limpo. Eu, ao contrário, uma vez lavado, preciso daquele batismo do qual vós, Ó Senhor, dizeis: “Quanto a mim, com outro batismo devo ser batizado”.

Orígenes, Das Orações dos primeiros cristãos, 63.

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