Por ocasião da Campanha da Fraternidade

O tema da Campanha da Fraternidade deste ano é Fraternidade e a Vida no Planeta. São João da Cruz, o místico da busca e da união com Deus, ajuda-nos na meditação do tema, com a poética imagem das "pegadas" do Amado na natureza.

Nas primeiras canções de seu Cântico Espiritual, o santo coloca nos lábios da alma enamorada: "Buscando meus amores, irei por esses montes e ribeiras; não colherei as flores, nem temerei as feras, e passarei os fortes e fronteiras. Oh bosques e espessuras, plantadas pela mão do meu Amado! Oh prado de verduras, de flores esmaltado! Deizei-me se por vós ele há passado. Mil graças derramando, passou por estes soutos com pressura, e, a todos olhando, apenas com sua figura, vestidos os deixou de formosura". Nestes versos, o poeta não afirma que tenha visto a Deus, a quem busca enamorado; porém deduz seu passo pelo seu rastro de formusura que deixou, como se fosse seu perfume ou seu cartão de visita. Quiçá nos diz também o poeta que, na falta da presença do amado, conforma-se com o rastro de suas coisas contemplando a natureza? Não se conforma acaso a alma enamorada com o saber que seu amado esteve onde ele está, e sente seu perfume?

Aprofundemos um pouco mais nestes textos, servindo-nos das análises e comentários que nos oferece o próprio autor em forma de "declarações" que seguem a cada uma das canções. A introdução da declaração à quarta canção nos anima a descobrir a Deus por suas pegadas na natureza, "porque, depois do exercício do conhecimento próprio, esta consideração das criaturas é a primeira por ordem neste caminho espiritual do conhecimento de Deus, considerando sua grandeza e excelência por elas, segundo o Apóstolo que diz: Invisibila enim ipsius a criatura mundi, per ea quae facta sunt, intellecta, conspiciuntur, ou seja, as coisas invisíveis de Deus são conhecidas pela alma pelas coisas visíveis criadas e invisíveis" (Rm. 1,20). Ao dizer "Oh bosques e espessuras" chama bosques os elementos terra, água, ar e fogo; porque assim como ameníssimos bosques estão povoados de espessas criaturas, às quais aqui chama de espessuras, pelo grande número e muita diferença que há delas em cada elemento: na terra, inumeráveis variedades de animais e plantas; na água, inumeráveis diferenças de peixes, no ar, muita diversidade de aves; e o elemento fogo, que concorre com todos para a animação e conservação deles; assim, cada sorte de animais vive em seu elemento e está colocada e plantada nele como em seu bosque e região onde nasce e se cria. Na verdade assim quis Deus na criação deles, quando ordenou à terra que produzisse as plantas e os animais, e ao mar e à água os peixes, e ao ar fez morada das aves (cf. Gn.1). Por isso, vendo a alma que assim tudo ordenou, diz o seguinte verso: "plantadas pela mão do meu amado".

A declaração à quinta canção nos diz que "nesta canção o que se contém em substância é: que Deus criou todas as coisas com grande facilidade e brevidade e nelas deixou algum rastro de quem ele era, não dando-lhes o ser, mas ainda dotando-as de inumeráveis graças e virtudes, formoseando-as com admirável ordem e dependência entre elas".

Depois desta série de comentários introdutórios, aparece com mais claridade o que São João da Cruz entende por "pegadas" de Deus na criação, ao dizer que "passar pelos soutos é criar os elementos...; pelos quais diz que derramendo mil graças passava, porque de todas as criaturas os adornava, que são graciosas; e nelas derramava as mil graças, dando-lhes virtude para poder concorrer com a geração e conservação de todas elas. E diz que passou, porque as criaturas são como um rastro do passo de Deus, pelo qual se rastreia sua grandeza, potência e sabedoria e outras virtudes divinas".

Finalmente, ao comentar os três últimos versos nos diz que "só com a figura de seu Filho, olhou Deus todas as coisas, que foi dar-lhes o ser natural, comunicando-lhes muitas graças e dons naturais, fazendo-as acabadas e perfeitas, segundo se diz no livro do Gênesis (Gn. 1,31) por estas palavras: "Deus viu todas as coisas que tinha feito, e eram muito boas". O vê-las muito boas era fazê-las muito boas no Verbo, seu Filho". E terminando sua declaração nos diz o santo que "chagada a alma no amor..., por este rastro que conheceu das criaturas..., da formosura de seu Amado, com ânsias de ver aquela invisível forosura que esta visível formosura causou, diz a seguinte canção: "Ai, quem poderá sanar-me? Acaba de entregar-te já deveras; não queiras enviar-me mensageiros, que não sabem dizer-me o que quero". Como as criaturas deram à alma sinais de seu Amado, mostrando-lhe assim o rastro de sua formosura e excelência, aumentando-lhe o amor e, por conseguinte, cresceu-lhe a dor e a ausência, porque quanto mais a alma conhece a Deus, tanto mais lhe cresce o apetite e pena por vê-lo".

Romero-Baró, José M

Facultad de Filosofía, Universidad de Barcelona, España

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